Crédito: Secom
A torre autoriza e o R-99 Guardião decola com uma tripulação de oito militares, apertados no avião feito para levar 50. Isso porque o aparelho não saiu da fábrica da Embraer em São José dos Campos (SP) para ser apenas outro dos mais de mil ERJ-145 que voam pelo mundo. A aeronave foi transformada numa plataforma de sensores para defender as fronteiras brasileiras e a natureza. Seus equipamentos conseguem captar imagens de um objeto escondido pelas copas das árvores ou de um caminhão a 20 km de distância.
O nome Guardião, ostentado pelo avião em si e por todo o esquadrão baseado em Anápolis (GO), no centro do Brasil, resume a missão de defesa do espaço aéreo e de mapeamento e controle ambiental. “Foi escolhido pelos próprios integrantes da unidade aérea, que necessitavam criar uma identidade ao jovem esquadrão”, conta o tenente-coronel Vila Lima, comandante do Esquadrão Guardião, oficialmente o 2º Esquadrão do 6º Grupo de Aviação.
A cada mês, os cinco E-99 (de controle do espaço aéreo) e os três R-99 (de mapeamento do solo ou águas) ficam três semanas no ar. Todos os detalhes do trabalho são planejados por Vila Lima antes da partida. É preciso fazer o plano de voo, programar os trechos nos quais os sensores serão acionados e escolher quais deles são os mais adequados para atender a cada pedido de mapeamento. Os clientes do Esquadrão Guardião, de universidades a órgãos de preservação ambiental, estão quase sempre interessados nas imagens do radar de abertura sintética, uma tecnologia que superou as antigas fotografias aéreas. São tão boas quanto e podem ser feitas em dias nublados ou à noite, quando o tráfego de aviões de carreira diminui.
Antes de decolar, a equipe de voo se reúne em torno de uma mesa para acertar os detalhes da missão. Além de se preocupar com a rota e a previsão do tempo, como num briefing de um vôo comum, é apresentado o plano da missão e a programação de acionamento dos sensores. Os computadores de bordo são programados para as faixas de terreno a serem escaneadas. Assim, basta o avião entrar na rota que o gravador dispara automaticamente. O avião costuma voar na mesma altura de um vôo comercial, a cerca de 10 km de altura.
A missão é lenta e metódica. O piloto tem de manter a aeronave em voo nivelado o mais estável possível, sem oscilar as asas e sem mudar a velocidade durante as gravações. Como o vento muda, ele precisa alterar ligeiramente a força dos motores de tempos em tempos. “Dá uma curiosidade para saber o que está sendo visto nos monitores lá atrás, especialmente se é uma missão de busca e salvamento”, diz o major aviador Ghuerren, que, como piloto da missão, fica na cabine de comando.
O radar já revelou surpresas. Há quatro anos, voando sobre a foz do Amazonas, a tripulação percebeu uma estrutura estranha sobre o rio. Coisa até então inédita. “Eram armadilhas de pesca predatória”, conta o major Hoffman. O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente) foi avisado do crime ambiental, que os autores imaginavam ter escondido bem. “É gratificante cuidar da Amazônia e fico feliz de ver como as coisas estão melhorando. Neste ano, não há mais tanta fumaça das queimadas, que chegavam a fechar o aeroporto de Porto Velho”, diz outro membro do Esquadrão Guardião.
No final de 2009, o esquadrão recebeu a missão de mapear a floresta na região prioritária para o controle do desmatamento ilegal, com o objetivo de medir os efeitos do Mutirão Arco Verde. Depois da Operação Arco de Fogo, quando a Polícia Federal fechou madeireiras ilegais, uma nova política de crédito agrícola associada à regularização fundiária e à difusão de formas rentáveis e sustentáveis de produção começou a ser posta em prática na região que o Guardião costuma mapear todos os anos. Os resultados são colocados na internet, no site do Sipam - Sistema de Proteção da Amazônia.
Ao retornar, o avião é recebido pela equipe de manutenção, responsável pela segurança dos sistemas. A avaliação diária não é tão diferente de um carro antes de sair para a viagem: calibrar pneus e ver o nível do óleo. É preciso também verificar se as superfícies móveis das asas estão funcionando sem problemas, como os flaps, profundores e freios aerodinâmicos. Há uma série de revisões maiores a cada 15 e 30 dias. Outras verificações são feitas dependendo do número de pousos.
Na base de Anápolis, os integrantes do Esquadrão Guardião fazem a manutenção de dois anos dos aparelhos vendidos pela Embraer para a Força Aérea Mexicana, quando o aparelho é inteiramente desmontado e renovado. Os radares neste momento são recalibrados numa câmera anecóica, uma sala blindada, com paredes, teto e piso totalmente cobertos por material absorvente de ondas eletromagnéticas. Igual à de Anápolis, só há outra na Suécia.
Sensores conseguem ‘ver’ através da vegetação
As aeronaves do Esquadrão Guardião, tanto o R-99 (sensores voltados para baixo) quanto o E-99 (sensores com foco no espaço aéreo), são baseadas nos jatos da família 145 da Embraer. Nas versões de jato regional, executiva (Legacy) e militares, já somam mais de mil exemplares voando, marca que coloca o modelo entre os mais bem-sucedidos da história da aviação.
Até então um piloto de helicópteros, comandante do esquadrão, o tenente coronel Vila Lima passou uma temporada voando em uma empresa aérea comercial, a extinta Rio Sul, para se habituar ao 145, juntamente com os outros pilotos do Guardião. Assim, foi possível estar pronto quando os primeiros R-99 entraram em operação em 2002. “Ele é muito gostoso de pilotar. Obedece bem”, elogia.
Mas para obedecer bem ao piloto, o aparelho ganhou inúmeras “asinhas” extras espalhadas estrategicamente para compensar a presença das antenas, não muito aerodinâmicas, dos sensores. O irmão do R-99, o E-99, por exemplo, tem uma série de pequenos estabilizadores verticais na cauda para redirecionar o fluxo de ar modificado por um radar comprido sobre a cabine. Mas essas mudanças não alteram a capacidade de vôo. A velocidade é semelhante à dos vôos comerciais, uma média de 900 km/h (0,78 Mach).
Já o R-99 tem muito mais alterações visíveis. Logo abaixo do nariz, há um telescópio ótico e infravermelho, para observar luz visível a olho nu e calor. Dá para ver, por exemplo, se um caminhão parou há pouco porque o motor ainda está quente ou se havia um avião pousado num pátio em dia de sol – a sombra deixa, por horas, o concreto abaixo mais frio depois de o aparelho ter partido. “É um sensor fantástico e requer muita destreza do operador”, afirma o tenente-coronel.
O sensor mais usado é o radar de abertura sintética, que opera com dois conjuntos diferentes de comprimento de onda. A mais curta, a banda L, penetra mais na vegetação. A banda X é perfeita para ver se algo se destaca sobre a grama – ou sobre as ondas, como foi no caso das buscas do Airbus da Air France acidentado no Atlântico em junho de 2009.
Outro equipamento, o scaner multiespectral, pode ser usado em conjunto com o de abertura sintética para fazer um mapa detalhado do relevo. Essas imagens (modelos numéricos de elevação) têm vários usos militares e civis, como mapear as regiões próximas aos aeroportos para que os computadores dos aviões possam alertar para o risco de colisão com o solo. “Os sistemas são georeferenciados por satélite (GPS) e oferecem uma visão tridimensional da paisagem”, explica o major aviador Hoffman.
No lugar da cabine de passageiros, o espaço interno foi ocupado por tanques extras de combustível, para vôos de mais de 3 mil quilômetros, e pelos consoles dos radares. Além da Força Aérea Brasileira, os mexicanos e gregos usam o equipamento. A Índia será o quarto país a tê-los.
Radares captam imagens em três dimensões
Na tela e na impressora a bordo, apenas olhos treinados conseguem perceber nuances reveladoras nas imagens em preto e branco. Apenas o tratamento com cores feito em terra auxilia leigos a perceber leitos de rio com águas lamacentas se fundindo a outros de águas límpidas, bordas de prédios, a presença de matas densas ou savanas, estradas etc. Em terra, as imagens ganham cores e ficam muito parecidas com fotos.
A noção de três dimensões se dá porque os radares têm duas antenas cada, que agem como dois olhos humanos. As imagens ligeiramente diferentes são fundidas numa só, dando a impressão de volume.
Tripulação conta com 8 militares
Além dos dois pilotos e do oficial que comanda a missão, o R-99 Guardião conta também com o apoio de um número variável de operadores de sensores (normalmente são sargentos, mas podem ser oficiais), de um técnico para prover a manutenção dos sistemas de bordo e de um mecânico de voo.
Nos uniformes, a “bolacha” (distintivo) de uma das esquadrilhas do Esquadrão Guardião recebeu a cor vermelha do Boi Garantido, enquanto a outra ficou com a azul do Boi Caprichoso – grupos de dança popular do Festival de Parintins (AM). Essa escolha foi feita para mostrar a intimidade com a região amazônica, que é a maior vocação dos Guardiões. Ao contrário de outras forças aéreas, o Brasil não dá liberdade ao uso de outras bolachas, somente as previstas em regulamento. Os pilotos brasileiros, como Vila Lima, preferem assim.
Conheça o Sipam
A Amazônia Legal Brasileira é constantemente monitorada pelo Sistema de Proteção da Amazônia – Sipam. Os trabalhos são vinculados diretamente à Presidência da República via Casa Civil. Um dos apoios para a captação das informações são os radares da Força Aérea Brasileira, assim como satélites e outros equipamentos tecnológicos.
A base tecnológica instalada na Amazônia brasileira possui uma rede encarregada de integrar e gerar informações atualizadas para articulação e planejamento, assim como a coordenação de ações globais do governo.
As ações visam à inclusão e o desenvolvimento sustentável da região amazônica. Os documentos que servem de base são produzidos pelos Centros Regionais de Belém, Manaus e Porto Velho. Os dados orientam as políticas públicas para a região.
Base Aérea atrai turistas
Anápolis fica a 48 km de Goiânia e a 139 km de Brasília. É o terceiro município de Goiás em população, com 335.960 habitantes, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2009. A economia está voltada para a indústria de transformação, medicamentos, comércio atacadista, indústria automobilística e educação. É a maior cidade industrial do Centro-Oeste brasileiro, com um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 3,8 bilhões.
A Base Aérea de Anápolis é um importante foco do turismo. Uma das principais unidades da Força Aérea Brasileira, é base operacional dos supersônicos Mirage e das modernas aeronaves do Esquadrão Guardião. Em datas importantes para a aviação nacional e no aniversário da cidade (31 de julho), a Base Aérea promove um dia de portões abertos, proporcionando aos visitantes a oportunidade de conhecerem suas instalações e de presenciar espetáculos aéreos.
R-99, o avião de monitoramento da Amazônia
Créditos: Portal Brasil
Detalhe do interior do R-99 Guardião
Créditos: Secom
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