segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Em audiência, Gol e sindicatos não chegam a acordo sobre reclamações trabalhistas



Representantes da companhia aérea Gol, do Sindicato Nacional dos Aeronatuas e do Sindicato Nacional dos Aeroviários se reuniram na tarde desta segunda-feira (9) no Ministério Público do Trabalho (MPT), em audiência convocada pela procuradora Laura Martins Maia de Andrade, informou a assessoria de imprensa do órgão.

A reunião foi convocada após as denúncias feitas por tripulantes de que a empresa não respeita a lei do aeronauta, ao obrigar os funcionários a trabalhar mais do que o permitido. Os trabalhadores também afirmam estar insatisfeitos com os salários e as condições de trabalho oferecidas pela companhia. A Gol nega que desrespeite a lei.

Em um blog criado por tripulantes anônimos, foi convocada uma greve para o dia 13 de agosto. Na convocatória para a paralisação, além de reivindicar uma escala “mais humana”, os trabalhadores exigiam aumento salarial de 25% para toda a categoria, planos de saúde e previdência privada, além da implementação de um plano de carreira para todos os funcionários.


Segundo a assessoria do MPT, hoje a procuradoria ouviu as posições de ambas as partes, mas não houve conciliação. Uma nova audiência foi convocada para o dia 20 de agosto, na qual os sindicatos e a Gol apresentarão documentos e provas para respaldar as afirmações feitas.

Apesar de não chegarem a um acordo, os tripulantes não deverão entrar em greve no dia 13, já que, após uma reunião no Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) na última quinta-feira (5), a categoria decidiu organizar uma assembleia na data em que a paralisação havia sido convocada.

Caos aéreo
Na semana passada, um alto índice de atrasos e cancelamentos em voos da Gol prejudicou o funcionamento dos aeroportos e atrapalhou a vida dos passageiros em todo o país. O novo caos aéreo foi causado por conta de mudanças no formato da escala de trabalho dos funcionários.

No início de julho, a Gol resolveu adotar um modelo eletrônico de escala, em substituição ao modelo manual. O programa que planeja as escalas, no entanto, apresentou falhas que culminaram no planejamento inadequado da malha aérea e da jornada de trabalho dos tripulantes. Como conseqüência, vários funcionários já haviam completado a jornada máxima de trabalho permitida antes de o mês acabar.

No final do mês passado, após se reunir com o SNA, a Gol aceitou reformular as escalas para impedir que os tripulantes continuassem trabalhando mais do que o permitido. Com menos mão-de-obra, a Gol não conseguiu dar conta de todos os voos que estavam programados, o que acabou resultando no caos sentido por passageiros em vários aeroportos do Brasil.

Contudo, segundo tripulantes da companhia, há muito tempo os funcionários estão sendo submetidos a condições de trabalhos inadequadas, em desacordo com a legislação trabalhista que regulamenta a categoria.

“O sistema novo não computa algumas variáveis presentes na legislação brasileira. Ele não considera os atrasos e os cancelamentos de voos, nem fechamento de aeroportos por conta do mau tempo, por exemplo”, diz uma chefe de cabine de 30 anos, que trabalha na Gol há sete e preferiu não se identificar com medo de sofrer retaliações pela empresa.

“Essa falha gerou um ‘efeito dominó', que refletiu em toda malha aeroviária. Os tripulantes que já haviam trabalhado mais do que o permitido tiveram que parar. Aí começou o assédio moral e as ameaças da empresa para obrigar os funcionários a trabalhar e a desrespeitar a legislação”, afirma.

Além disso, a chefe de cabine afirma que a categoria sofreu uma defasagem salarial de 50% nos últimos 10 anos, o que está fazendo com que muitas pessoas desistam da função. “No início da década um tripulante da Varig recebia R$ 40 por hora de voo, em média. Hoje é de R$ 22. Nossa função é estressante. Tripulante fica cinco, seis dias fora de casa, trabalha dia e noite, não pode frequentar nenhuma atividade fixa, vive por escala”, diz.

Por conta do problema, um copiloto de 31 anos baseado em São Paulo, funcionário da Gol desde 2005, disse que ele mesmo e vários colegas já pegaram no sono durante viagens. “Eu já dormi algumas vezes em voo. Estamos bem sobrecarregados mesmo, e está complicado de manter a cabeça no que estamos fazendo. Precisamos de tranquilidade e de uma jornada decente, mas o que acontece é que somos explorados ao máximo”, disse o tripulante, que preferiu não se identificar para não sofrer retaliações da empresa.

Um outro copiloto que também não quis se identificar afirmou que quando não há uma jornada de trabalho regular não é “incomum piloto e copilotos dormirem em pleno voo”. “Pedimos para o chefe de cabine ir de meia em meia hora checar se há alguém acordado. É um risco enorme, e tudo isso foi muito agravado em julho”, diz o funcionário, de 30 anos, há quatro na Gol.

Brechas na lei trabalhista
De acordo com a Lei do Aeronauta (Lei 7.183/84), por questões de segurança operacional, um tripulante de avião a jato não pode exceder 85 horas de voo por mês, 230 horas por trimestre e 850 horas por ano. O texto também impede que a tripulação que cumpriu três horas de jornada entre 23h e 6h viaje na madrugada do dia seguinte.

Há três brechas na lei, segundo aeronautas entrevistados pela reportagem. Para Carlos Camacho, algumas empresas aproveitam uma falha no texto da regulamentação da categoria e obrigam os tripulantes a trabalhar durante várias madrugadas seguidas.

“As empresas se apropriaram de uma falha na regulamentação que permite uma interpretação segundo a qual só não podem ser escalados na madrugada seguinte os tripulantes que voltaram à sua base. O problema é que muitas vezes os trabalhadores viajam de madrugada, mas não voltam para sua base, vão para outras cidades”, diz. “Mas o que está em questão é a condição física do ser humano, e não a cidade para onde o tripulante vai”, afirma.

O copiloto de 30 anos que falou com a reportagem disse as empresas encontraram um outro “buraco” na lei. “Se o tripulante chegar na base entre 23h e 6h, não pode ser acionado para voar na noite seguinte. Mas se ele decolar 22h e pousar 6h05, por exemplo, as empresas dizem que não há problema nenhum e esfregam a lei na nossa cara. A regra foi mal escrita”, diz o tripulante.

“Buracos negros”

Uma outra chefe de cabine, que possui 31 anos e está há seis na Gol, afirma que além do excesso de trabalho, os tripulantes estão sujeitos a riscos decorrentes da falta de infraestrutura adequada no espaço aéreo brasileiro.

“Existem ‘buracos negros’ no Norte e Nordeste do país, nos quais não há comunicação entre piloto e torre”, diz. “Uma vez, saindo de Fortaleza para Natal, desviamos de um tucano (aeronave de pequeno porte) a um pouco mais de 100 metros. Uma amiga que tripulava no dia 1º de agosto num voo do Recife para Campinas contou que a aeronave quase colidiu com um avião cargueiro, que teve que arremeter o pouso para não ter colisão. Infelizmente só dão importância para isso quando aconteceu um acidente”, conta.

Outro lado
Por meio da sua assessoria de imprensa, a Gol negou que desrespeita a legislação trabalhista e obriga os funcionários a trabalhar mais. A companhia disse que os problemas com atrasos e cancelamentos foram causados justamente porque o limite de horas trabalhadas pelos tripulantes foi respeitado. A Gol afirmou ainda que o problema com a escala foi resolvido.


http://bit.ly/aBZlet

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