sábado, 20 de novembro de 2010

Pilotos brasileiros vão para o exterior em busca de salários mais altos


RIO - Homens que se cumprimentam com beijo no rosto, carros que só se compram com dinheiro vivo, horas em jejum sob um calor de 50 graus. Comportamentos como esses podem parecer estranhos a olhos brasileiros, mas se tornaram rotina entre os cerca de 500 pilotos que deixaram o país nos últimos dez anos em busca de melhores condições de trabalho. No exterior, eles ganham no mínimo o dobro do que ganhariam no Brasil e ainda têm as despesas com aluguel e plano de saúde cobertas pelas empresas que os contrataram. Uma raridade entre as aéreas nacionais.

O choque cultural por que passou essa legião de comandantes só tende a se multiplicar. Estudo feito pela Boeing com perspectivas para o setor de aviação entre 2010 e 2029 mostra que o mundo vai precisar de mais 466.650 pilotos no período e que um quarto dessa demanda (180.600) virá da Ásia e do Pacífico, com destaque para a China, um dos países que mais receberam pilotos brasileiros nos últimos anos. Na América Latina, a necessidade será bem menor, de 37 mil pilotos até 2029.

Esperei até o último minuto para ver se o governo ia salvar a Varig. Lamento muito o que aconteceu - Cesar Sfoggia

A maior parte dos comandantes no exterior está na faixa dos 50 anos e abandonou o Brasil em meio à crise no setor de aviação que levou à falência Transbrasil, Vasp e Varig. Armindo Souza de Freitas, de 54 anos, foi um deles. Após 16 anos de Varig, ele deixou a empresa em 2003, quando os atrasos de salários já eram frequentes, para pilotar aviões da Shenzhen Airlines, na China. As dificuldades de adaptação começaram pela comunicação, já que poucos chineses falavam inglês. Nos supermercados e shoppings, a solução foi recorrer a mímicas e desenhos. Para ver TV num país onde os canais, controlados pelo Estado, não exibem filmes estrangeiros com legenda, o jeito foi burlar a lei e instalar TV a cabo com sinal de Hong Kong.

Cultura empresarial chinesa também é diferente

Freitas também sofreu com a burocracia e custou a entender que as promessas de bônus por produtividade não são necessariamente cumpridas na China. Servem, muitas vezes, apenas como estímulo para o trabalhador. Entre tantas histórias que colecionou ao longo dos cinco anos que morou na China com a mulher Gisele e o filho Lucas, a mais curiosa foi quando a família resolveu comprar um carro. Num país com passado comunista, a cultura de cheque e cartão de crédito engatinha, levando os chineses a usar só dinheiro.

- Me senti ridículo no dia em que fui a uma concessionária para comprar um automóvel e tive que levar uma sacola de dinheiro. Havia uma sala com um guichê só para contar as cédulas - conta Freitas, que desde 2007 voa para a Korean Air e mora nos EUA, onde montou uma empresa que comercializa aeronaves usadas, a PartsMax Aviation.

Cesar Sfoggia, de 54 anos, também foi buscar emprego na China com o fim da Varig. Uma das primeiras palavras que aprendeu a falar em mandarim foi arroz, que não pode faltar na culinária chinesa e é fundamental para amenizar o gosto da pimenta. Morando na Ásia com a mulher desde 2006, ele volta de tempos em tempos ao Brasil para visitar os filhos, João, de 28 anos, e Artur, de 26, que vivem em São Paulo. E, como os colegas, sente saudade dos velhos tempos:

- Esperei até o último minuto para ver se o governo ia salvar a Varig. Lamento muito o que aconteceu.

Se tivesse permanecido no Brasil, Sfoggia estaria ganhando cerca de R$ 20 mil, média salarial - incluindo gratificações - de pilotos com mais de 15 anos de experiência que fazem voos internacionais, segundo o Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA). Além dos salários melhores no exterior, os brasileiros buscam lá fora o status que estavam ameaçados de perder aqui no Brasil. Quando uma companhia quebra e o piloto muda de empresa, é praxe que ele vá para o fim da fila das promoções na nova companhia. Isso significa passar anos em aviões menores e apenas para destinos domésticos.

- Essa política realmente existe e contribuiu para o êxodo dos pilotos brasileiros. Mas o principal fator são as condições financeiras e benefícios - diz Graziella Baggio, do SNA.

Aéreas do Oriente Médio têm melhores condições

As empresas do Oriente Médio são as que oferecem condições mais atraentes. Além da carga horária menos pesada - em geral três semanas de trabalho e uma de folga por mês - há distribuição de bônus entre os funcionários. Na Turkish Airlines, por exemplo, isso é feito a cada três meses, condicionado ao desempenho da companhia. Este ano, com a flexibilização da legislação turca - que passou a permitir a importação de pilotos - três brasileiros foram para lá.

O capixaba Marco Aurélio Rocha, de 56 anos, foi um deles. Ele havia deixado a TAM em 2004 para voar na Singapore Airlines e, desde maio de 2010, está na Turkish. No início, estranhou hábitos como cumprimentar seus colegas de trabalho com dois beijos no rosto. Mas hoje já se sente em casa, apesar da saudade do Brasil. Ouve CDs com música turca e não perde a oportunidade de comer os doces locais. Também se sente mais seguro em Istambul que no Brasil.

Já no Qatar, onde o ex-piloto da Varig Cezar Winck, de 48 anos, mora desde 2007, o governo tenta de tudo para se aproximar do Ocidente, mas a força da religião ainda é grande.

- Os estrangeiros, mesmo sendo maioria da população, buscam respeitar os hábitos dos muçulmanos - diz Winck, que mora em Doha com a mulher e filha de 6 anos.

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